Na minha vida, o amor foi sempre um
tema presente por boas e por más razões. Julgo que, neste capítulo, não sou
diferente dos outros humanos. Fui feliz e infeliz, também. É que, como todos
sabemos, o amor pode ser gerador de sentimentos
menos bons. Um amor não correspondido, por exemplo, dá origem a deceção e
sofrimento. Isto não é novo. Sempre foi assim em todos os tempos.
O problema atual é outro. Os humanos
parecem estar a perder a capacidade de amar! Ou melhor, são capazes de amar mas
dedicam‑se menos ao amor. Tenho reparado que as pessoas amam cada vez mais
à distância por telemóvel, por Internet, em solidão e em silêncio. Na verdade,
correspondem‑se uns com os outros, avidamente, teclando. Mas vão perdendo o sentido das prioridades.
Muitas pessoas comunicam por
necessidade de comunicar, de estarem conectadas aos outros, mais para se
fazerem ouvir (ou ler) do que para ouvirem e lerem os outros. No amor parece
estar a acontecer o mesmo.
Nas famílias atuais, as pessoas passam
mais tempo a ver televisão, a teclar no computador ou no "smartphone". Para
além de que passam mais tempo com os colegas de trabalho do que com os filhos
ou com o seu companheiro. O cenário é, neste capítulo, dececionante. Não é por
acaso que as famílias estão a desestruturar‑se, aumentam os
divórcios e os conjugues vivem cada um no seu mundo.
O amor é um sentimento multifocal. É,
segundo a psicologia, uma confluência de paixão, intimidade e união. Está
ligado a numerosas emoções e influencia os comportamentos. O amor, ele próprio,
combina‑se com sentimentos de fundo como a excitação,
o bem‑estar, o entusiasmo e a harmonia.
O amor influencia também o estado do
nosso Eu (nas suas dimensões espiritual, psíquica e física) e pode contribuir
para o enriquecimento da autoestima. O que quer dizer que, na ausência do
sentimento do amor ou na sua falta de correspondência, o nosso psiquismo pode
falhar, sofrer ruturas e provocar sentimentos de frustração, desânimo, tristeza
e depressão.
O ser humano está predisposto
geneticamente para amar e ser amado porque é um animal profundamente social,
envolvido em múltiplas redes de relações (familiares, comunitárias, laborais,
etc.).
Os sentimentos têm servido ao Homem
para o influenciar na sua percepção de si e do mundo e a levá‑lo a agir no e sobre o mundo. O amor, em
particular, é um estimulante poderoso (motivador) da ação. Já a falta de amor e
afeto conduz à inação.
Amor em mudança
O desenvolvimento da capacidade de
amar depende de fatores históricos, culturais e familiares. O amor, hoje, é
diferente de épocas passadas. Por exemplo, no período do Romantismo (final do século
18 e grande parte do século 19), o amor estava associado à paixão - um
sentimento intenso, contemplativo e subversivo. Era sentido como emancipador,
mesmo que trágico como na história de Romeu e Julieta.
Atualmente, o amor é mais dominado
pela racionalidade. O amor já não provoca escravidão como à época do
Romantismo. O sofrimento é mais limitado nas suas consequências e não amar para
toda a vida já não constitui um drama para a maioria das pessoas.
O amor romântico extremo, fantasista, por exemplo, ainda
que procurado por muitas pessoas, não passa atualmente de um mito. «A paixão de hoje é mercadoria de consumo.
Não tem mais a ver com o destino, com os riscos, com o enfrentamento» - escreveu
Renato Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política.
As transformações sociais modificaram
um pouco a forma como o amor é percebido, sentido e gerido. O modo de amar
depende muito das aprendizagens sociais nos primeiros anos de vida. Num mundo em
que aumentam os divórcios entre casais, os filhos ficam menos preparados para
relacionamentos amorosos duradouros.
Por outro lado, atualmente, ensina‑se mais sobre as
relações sexuais do que sobre as relações
amorosas. Os jovens sabem mais sobre
sexo do que sobre amor. E isto influencia o seu comportamento no mundo.
É de prever que no futuro,
os divórcios possam aumentar e
a própria instituição do casamento, tal como a conhecemos hoje, desapareça. Aliás, já há casos de paixões com "humanos virtuais" que mais não são do que robôs alugados ao mês. Em 2005, a empresa Artificial Life, de
Hong-Kong, criou uma "namorada virtual" de nome Vivienne, com quem os
homens podiam conversar e partilhar "sentimentos" mediante o
pagamento de uma mensalidade.
Vivienne era, obviamente, um programa
de computador mas a "moça" teve milhões de "namorados" e
muitas esposas foram traídas da forma mais inesperada possível.
Vivienne |
Nelson S Lima